Sobre a Primeira Preleção de Aprendiz
O iniciado, recém ingresso na Ordem, obtém na cerimônia de iniciação um rico conteúdo simbólico destinado a induzir uma compreensão de que a opção pelo ingresso na Maçonaria representa uma séria decisão voltada ao propósito de imersão em um longo processo de autoconhecimento e de aperfeiçoamento moral.
A cerimônia ou ritual de iniciação culmina com a exposição da primeira seção da primeira preleção, na qual o recém iniciado obtém importantes instruções que deverão ser ponderadas e observadas durante toda sua atividade enquanto Maçom.
É válida a comparação do processo a uma caminhada, a uma jornada que culmina com o alcance do objetivo primordial: o estado de elevação moral e de conhecimento que reflita a integração do indivíduo em seu aspecto consciente e inconsciente, proporcionando-lhe esclarecimento sobre seu lugar e seu propósito na existência. Evidentemente cuida-se de um propósito simbólico, representado pelo estado de “pedra polida”. A iniciação, nesse contexto, marca o momento de ruptura da vida profana, ou seja, inconsciente, voltada às atividades mundanas, essenciais à subsistência material, para uma vida de integração com a dimensão esotérica, para o conhecimento de si e da sua condição individual enquanto parte de um todo.
Os elementos simbólicos das ferramentas de construção são utilizados para a conscientização do iniciado à necessidade de desenvolvimento de uma moral. Nesse aspecto o Esquadro, marcando ângulos retos (90 graus) simboliza a retidão exigida.
Pode-se evidentemente inquirir acerca de qual sistema moral a Ordem apregoa a estrita observância, dado que o conteúdo de um sistema moral é, evidentemente, relativo, pautado pelos usos, costumes e valores de um grupo social em determinado espaço e tempo.
O Livro Sagrado das Escrituras é, portanto, no contexto da didática Maçônica, o referencial moral proposto. Sem embargo do viés subjetivo adotado, deísta ou teísta, o LSE pode-se também ser tomado como referencial moral sob a perspectiva antropológica, visto que constitui rico repertório de padrões de conduta validados, cuja essência constitui a própria história ou tradição dos grupos sociais humanos.
Resulta que a união dos Maçons deve ocorrer no Esquadro, ou seja, em observância a um padrão de conduta moral compatível com o referencial adotado (LSE).
O Nível, segundo instrumento simbólico de construção apresentado, pode representar a igualdade formal. A condição de cada Maçom perante o gênero humano é a de que ele representa uma pequena partícula do todo. Constitui elemento integrante e não dissociado do contexto. Ao encerrar os trabalhos, o Maçom é incitado a partir como elo de construção social, como elemento essencial do todo, mas também na condição de igualdade em relação aos seus irmãos que, assim como ele, devem zelar pela conduta moral exemplar. A igualdade, nesse aspecto particular – do Maçom perante seus irmãos -, também pode ser interpretada como condição de retidão, significando seu papel como referencial de conduta.
Conforme já exposto, o processo de aprendizado, para fins didáticos, é tomado em uma acepção simbólica como trajetória ou percurso. O Maçom, enquanto peregrino ou viajante, possui uma direção bem definida: caminha do Oeste para o Leste. A trajetória simbólica representa o olhar para o Oriente, direção no qual estão situadas as regiões geográficas onde surgiu o LSE. O aspecto simbólico dos pontos cardeais também pode representar o caminhar do poente para o nascente, da escuridão para a luz.
Esse caminhar é, destarte, o mote do Maçom, caminha em direção ao nascente (Oriente) na busca do conhecimento. O Nascente é representado, na estrutura da Loja, o local onde está o V.M. que, sentado no trono de Salomão, simboliza a sabedoria.
O processo de busca pela sabedoria, contudo, é franqueado àqueles livres e aceitos. Essas características são, na verdade, condições imprescindíveis para a própria iniciação do candidato e ingresso na Ordem.
A liberdade no atual contexto histórico representa uma condição mais vinculada à consciência do que propriamente às condições sociais e econômicas. Exige-se do Maçom que possua condições psíquicas e intelectuais capazes de lhe assegurar autonomia. Deverá o Maçom possuir capacidade de governar-se a si próprio e não estar sujeito a vícios ou preso a dogmas que lhe obstem a capacidade de raciocinar livremente, porquanto o uso da razão constitui qualidade essencial do Maçom, enquanto “livre pensador” para a busca da verdade.
Em uma interpretação livre, permite-se aqui resumir que a alusão à história bíblica de Abraão, Sara, Hagar, Ismael e Isaque pretende ilustrar o contexto de filho da escravidão, originado do ventre de uma escrava, do filho livre, originado do ventre da mulher de Abraão. Embora sob a perspectiva simbólica seja elucidativa e razoavelmente clara a ilustração, a referência denota uma aparente conotação de liberdade na consciência tradicional judaica em oposição à suposta característica de escravidão dos povos árabes. Nada obstante para fins do presente trabalho se desconheça em pormenores o conteúdo do Alcorão, a linguagem simbólica utilizada na tradição ritualística pode ter um viés de interpretação em detrimento dos povos árabes muçulmanos, circunstâncias que autorizam cogitar eventuais desafios na adoção do catecismo maçônico em países onde predomina a religião islâmica.
Outra parte importante da lição é o desvelo do propósito do trabalho em loja que, na linguagem simbólica adotada, constitui o trabalho de desbaste da pedra bruta, a remoção de rebarbas e excessos (vícios, paixões) e a constituição proposital/volitiva, consciente, de um formato concebido pela razão, dotado de maior pureza e beleza: a pedra cúbica.
No escopo de resguardar e preservar os segredos ritualísticos e simbólicos, relevantes à Ordem, o iniciado recebe na tradição elementos distintivos que o permitem identificar-se perante os irmãos. No ritual de iniciação lhes são transmitidos os sinais, toques e palavras que possibilitam ao iniciado apresentar formalmente a prova de que é integrante da Ordem, habilitando-o a compartilhar e receber os segredos compatíveis com o seu grau (mérito). Todavia, o sinal distintivo de um Maçom é a sua conduta, o seu caráter, de sorte que embora sejam válidos e aceitos os requisitos formais de sua identificação, o Maçom está ciente de que o critério de reconhecimento é o referencial, ou seja, sua qualidade de Maçom é aferida e atestada pelos seus irmãos, que reconhecem em sua conduta a observância aos deveres e encargos assumidos.
A regularidade da iniciação é um dos critérios distintivos importantes que permitem certificar que o procedimento ritualístico de sua admissão à Ordem ocorreu em consonância com a tradição. Exige-se nesse contexto que o ritual de iniciação ocorra em uma loja justa (presente o Livro Sagrado das Escrituras aberto), perfeita (composta de sete ou mais Maços, feitos regularmente) e regular (presente a carta Patente ou Permissão de constituição, expedida por uma Obediência Maçônica.
Em desate aos inúmeros e relevantes pontos de instrução, a lição culmina com o ensinamento acerca do uso da palavra – cognominada de chave – ressaltando seu potencial criador e, quiçá, sua força no plano material e espiritual. Recomenda-se, portanto, que o Maçom utilize sua palavra com sabedoria, preferencialmente para o bem, evitando-se comentários maldosos e maliciosos, especialmente em relação aos seus irmãos.
Portanto, o ingresso na Ordem Maçônica constitui uma grande honra e distinção. O iniciado é contemplado com a aceitação de seu nome por Maços e recebido como tal perante irmãos. Agrega-se à vida profana uma vida sagrada, em sentido amplo, voltada ao autoconhecimento e ao aperfeiçoamento psicológico e espiritual. Trata-se de uma bela tradição de ingresso que remonta à Idade Antiga, nas escolas iniciáticas egípcias e gregas.
À parte distinções e honrarias, a Ordem cobra, justamente, o compromisso do iniciado, a adesão aos seus princípios e, sobretudo, fidelidade à livre busca da verdade, com exercício da tolerância e da compreensão.
Mais do que a busca por um fim, a caminhada na vida Maçônica incita ao exercício da razão e à consciência do candidato sobre os deletérios estados reativos (vícios, paixões) que atrapalham a evolução.
O convívio fraterno estimula o desvelo de uma verdade inexorável: toda caminhada é individual, mas é mais bela, mais humana, quando realizada em conjunto, entre iguais, exercendo o bom combate, com vitórias e quedas. Somos iguais, seres humanos dotados de uma dualidade (o bem e o mal), mas comprometidos em fazer prevalecer a luz em nossa experiência.